terça-feira, 10 de julho de 2012

REVISTA VEJA DENUNCIA BANDITISMO NA POLÍTICA DE GUARULHOS

Alagoas paulista


Em Guarulhos, prefeito que denuncia
corrupção só pode sair de casa com
proteção de guarda-costas


Paulo Moreira Leite, de Guarulhos

Eduardo Arabello
Guarulhos: cidade é campeã de criminalidade e de violações de direitos humanos


Com 1 milhão de habitantes e o 13º potencial de consumo do país, Guarulhos é uma cidade separada de São Paulo pelo Rio Tietê e possui um padrão de vida muito superior ao da maioria dos municípios brasileiros. A diferença é que ali vigora um faroeste que se imaginava exclusivo de lugares pobres e atrasados. Há dois anos, um secretário municipal foi executado na porta de casa. Apontado como o assassino, o gerente de uma empresa de segurança privada que superfaturava suas contas à prefeitura morreu fuzilado antes de ser ouvido pela polícia. No sábado 10, um vereador acusado de corrupção, Antonio Magalhães, recebeu uma bala na testa pode ser suicídio, ele vinha dando sinais de depressão, ou assassinato, pois já tinha depoimento marcado na polícia. Na quarta-feira passada, foi encontrado o corpo do empresário Henrique Luís Varésio, de 52 anos, alvejado por seis tiros. Varésio era sócio da maior universidade da cidade e do maior shopping center local. Os negócios não iam bem e ele queria romper a parceria com o empresário Antonio Veronezi, pai de um vereador, Victor Veronezi. Agora, ficou perigosa a vida do prefeito da cidade, Jovino Cândido da Silva. Ele tirou a família de Guarulhos e só sai de casa sob proteção de guarda-costas, não divulga a agenda e nunca dorme duas noites seguidas no mesmo lugar.


O prefeito Jovino entrou na clandestinidade depois que a Rede Globo divulgou trechos de uma fita de vídeo em que faz acusações contra os vereadores da cidade. Mesmo num país escolado por denúncias de corrupção, o depoimento impressiona. Na posição de dono da chave do cofre, Jovino dá nomes e revela esquemas. Descreve achaques a empresas e fala de vereadores que lutam por dinheiro público com método e apetite. Conta que um deles pediu 100.000 reais apenas para apoiar um projeto. Outro queria 200.000 para não criar problemas na hora de votar o orçamento. Doze dos 21 vereadores ainda exigiram um pagamento mensal regular, como um segundo salário, para votar com o prefeito no dia-a-dia, dinheiro que a turma chama de "O Institucional". O mais modesto queria um "institucional" de 15.000 por mês, mas apareceu quem cobrasse 35.000.

VEJA ouviu dois diretores de escolas privadas que relataram uma tentativa de achaque de vereadores para aprovar uma redução do ISS de seus estabelecimentos de 5% para 1%. "Compareci a uma reunião absurda na qual se pediam 30.000 reais por escola", conta um deles, sob a condição de ser mantido no anonimato. "Não tinha o que fazer em um encontro assim e fui embora." Informado de que até a multinacional Pfizer sofreu um ataque semelhante ao manifestar interesse pela compra de um terreno, o próprio Jovino já marcou uma audiência com a diretoria para esclarecer a situação.

Numa entrevista coletiva, o executivo de uma empresa municipal apontou um vereador, dizendo que ele "foi o primeiro a me pedir dinheiro". Instalado no gabinete da presidência da Câmara, um grampo telefônico divulgado pela TV revela um diálogo sobre o pagamento de empresas que prestam serviços para a prefeitura. "Todo o dinheiro que a gente pega eu passo para você. Não estou tirando um centavo", esclarece um assessor, conversando com um vereador preocupado com o dinheiro "que a gente pega".

As fitas exibidas pela TV foram gravadas em duas oportunidades dezembro de 1998 e maio de 1999 , quando Jovino manteve demoradas conversas com duas personalidades da cidade, um deputado do PT, Eloi Pietá, e o empresário Luís Roberto Mesquita, presidente da Associação Comercial e Industrial. Herdeiro de uma das principais casas de comércio do lugar, descendente de família rica e tradicional, lido e articulado, Luís Roberto foi a eminência parda de uma mudança decisiva. Em 1998, quando se comprovou que o titular Néfi Tales conseguira comprar quatro fazendas e um imóvel na praia em seis meses no cargo, o empresário liderou um movimento de advogados, padres, sindicalistas e estudantes que levou ao afastamento do prefeito, deixando a cadeira vazia para o vice Jovino ocupar.

Nos dois depoimentos, ele foi enganado, porém. Falou por mais de cinco horas como se fosse uma conversa entre amigos sem saber que havia uma câmara gravando cada palavra que dizia. Luís Roberto guardou segredo durante meses. O prefeito só soube que caíra numa armadilha pouco antes de a fita ser exibida. "Foi uma traição", queixa-se. Pietá e Luís Roberto tentam se justificar argumentando que temiam que Jovino, acomodado ao cargo, fizesse corpo mole. "O Néfi havia saído, mas nada se fazia na Câmara", alega o empresário. "O Jovino até concordou que era preciso seguir investigando", diz Pietá. É difícil defender que em nome da ética na política seja correto manipular politicamente os valores éticos. Os dois não foram leais nem respeitaram Jovino.

Professor de teatro e assessor da Câmara, ele só foi parar na chapa de Néfi Tales porque ninguém acreditava que tivesse chance de vitória, e se tornou prefeito na posição daquele freguês que chega ao restaurante fora de hora e ninguém sabe se oferece uma mesa ou manda embora.

Quando recebeu o cargo, Jovino foi à prefeitura, mas passou três horas à procura de um funcionário qualificado para protocolar os termos de sua posse. Na semana passada ele ficou seis horas e quinze minutos prestando depoimento a dois promotores. VEJA teve acesso com exclusividade a suas declarações, numa conversa dura, detalhada e exaustiva. Interrogado sobre cada frase das fitas de vídeo, Jovino não só confirmou o que disse como deu nome de outras testemunhas e novos exemplos. "Caso as acusações sejam provadas, serão propostas ações visando às penas da lei", diz o promotor Nadim Mazloum, o mesmo que há um ano conseguiu que a Justiça afastasse Néfi Tales do cargo antes mesmo de a Câmara cassá-lo.

"Essas acusações são uma loucura sem cabimento", afirma Waldomiro Ramos, um dos vereadores acusados. Guarulhos precisa que se apure a corrupção, até porque ali se encontra o veneno maior da violência e da selvageria, que é a impunidade. O número de policiais da cidade está 20% abaixo do que se recomenda em lugares civilizados. Quem pode contrata guarda-costas e quem não pode paga as conseqüências. Guarulhos é campeã de criminalidade, de violações de direitos humanos, e também um paraíso das empresas de segurança, de guarda-costas e de arapongas em geral, com seus grampos e vídeos clandestinos, utilizados ainda por empresas que, pagando propina aos políticos corruptos, costumam filmá-los recebendo o dinheiro para garantir fidelidade.

Com 300 favelas e outros sinais de empobrecimento, em Guarulhos também se vêem ruas onde crianças jogam bola e uma praça chamada Getúlio Vargas, que tanto serve para passeio de namorados como ponto de encontro para passeata de estudantes indignados com a corrupção. Muitos moradores têm aquela educação refinada de cidade pequena, que ensina todo mundo a falar bom-dia em voz alta e a encarar o interlocutor nos olhos. Esse mundo merece ser preservado.

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